Depois de quase dois anos de pandemia de Covid-19 e, mesmo com as flexibilizações no comércio, algumas pessoas ainda têm medo de sair de casa. Elas apresentam ansiedade e enfrentam dificuldades para se ressocializar. O principal motivo é o receio de contrair o vírus. Popularmente, esse comportamento já tem sido chamado de coronofobia, que seria um transtorno relacionado ao medo de voltar ao convívio social. Mesmo com o avanço da vacinação, quem sofre dos sintomas ainda não consegue enxergar a possibilidade de retomar uma rotina como na pré-pandemia.
Uma pesquisa do Ministério da Saúde, divulgada em 29 de setembro de 2020, que avaliou a saúde mental da população, revelou que a ansiedade é o transtorno mais presente, seguido do estresse pós-traumático e da depressão. Estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) confirmam a conclusão do Ministério da Saúde: os brasileiros estão adoecidos mentalmente.
Assim, não surpreende a indicação do International Journal of Environmental Research and Public Health de que o Brasil é o país com o maior índice de sintomas de depressão e ansiedade. Esses dados se coadunam com a realidade das pessoas que sofrem de coronofobia, cujo medo, em geral, é acompanhado desses sintomas.
Estudante e moradora da Asa Norte, Ana Júlia Lencastre, 18 anos, conta as dificuldades para retomar a rotina durante a pandemia. Em março, a universitária perdeu o pai para a Covid-19. Devido ao trabalho, ele não pôde ficar em casa. E mesmo o acesso ao tratamento médico não foi suficiente para salvar a vida do militar. “O privilégio de poder ter internet e trabalhar em casa foi o que meu pai e muitas pessoas não tiveram”, conta.
Apesar do avanço da vacinação no Distrito Federal, Ana Júlia diz que morar em apartamento fez com que a família ficasse mais isolada. “No fim do ano passado, muitas pessoas do meu prédio se contaminaram com o vírus. Então, eu não saía de casa nunca. Só de pensar em sair de casa, me dava crise de pânico. Eu não conseguia. O máximo que eu ia era para minha varanda”, relembra.
A universitária reforça que, com o avanço da vacinação, as reuniões entre amigos tornaram-se mais frequentes. Mesmo assim, no início ela resistia às saídas. “Só de pensar em sair já me deixava ansiosa”, relata. Quando questionada sobre como se sentia quanto às pessoas retomando a rotina, Ana Júlia deixa claro que entende a necessidade da normalização. “Eu aprendi que não tem o que fazer mais, a gente vai ter que voltar à vida normal”, destaca.
“Só de pensar em sair de casa, me dava crise de pânico. Eu não conseguia. O máximo que eu ia era para minha varanda.”
Joana Sarges Rocha, estudante de 18 anos e moradora de Sobradinho, conta como o isolamento social, que ela ainda cumpre, influenciou a saúde mental. A jovem, diagnosticada com depressão e ansiedade, relata como os períodos de pico da pandemia intensificaram o mal-estar. Por ter passado muito tempo em casa, o distanciamento tornou-se natural. Diante disso, Joana se afastou de amigos, familiares e colegas, por não ter nenhum contato com o mundo de fora.
Ela conta a rotina ao sair e chegar em casa: “Eu saio de casa com roupas compridas e que me expõem pouco ao vírus. Levo muitas máscaras reservas, três tipos de álcool, e na maioria das vezes, saio de cabelo preso e com sapato fechado sempre. Quando chego em casa, tiro todas as roupas e as coloco em um cesto separado. Higienizamos tudo com álcool”, destaca.
Joana conta que, mesmo após tomar a segunda dose da vacina contra a Covid-19, ainda tem medo de sair de casa. Ela diz que isso fez com que se distanciasse de certas amizades: “Fui muito excluída durante essa pandemia. As pessoas com quem me relaciono nem me convidam mais para sair”, ressalta.
“Eu saio de casa com roupas compridas e que me expõem pouco ao vírus. Levo muitas máscaras reservas, três tipos de álcool, e na maioria das vezes, saio de cabelo preso e com sapato fechado sempre. Quando chego em casa, tiro todas as roupas e as coloco em um cesto separado. Higienizamos tudo com álcool.”
A bancária Glória Rafaela Vasconcellos, 34 anos, moradora de Ceilândia, considera que o retorno do comércio é coerente com a atual situação pandêmica do Brasil. Ela acredita que o comportamento das pessoas em relação a respeitar as medidas de distanciamento e higienização importa mais do que a abertura ou o fechamento do comércio. “Se as pessoas continuarem respeitando as medidas de distanciamento e higienização, o vírus não vai se espalhar tanto. Portanto, é indiferente se os comércios estiverem abertos ou não”, explica.
Sob esse ponto de vista, surge o questionamento quanto à implementação de um passaporte de vacinação. Glória diz que o passaporte deveria ser exigido em todos os ambientes de uso coletivo, sejam estabelecimentos comerciais ou áreas públicas, devido às incertezas com o vírus. “Foi um período bem difícil e ainda está sendo, porque não temos total certeza do que vai acontecer quando formos infectados, apesar da vacina”, destaca.
Glória Rafaela afirma ter percebido que a rigidez poderia ser menor a partir do avanço da vacinação, quando a imunização alcançou os adolescentes. A bancária se sentiu mais confortável para flexibilizar algumas medidas mais extremas: “Percebi que podia ter menos rigidez com algumas formas de controle, quando a vacinação alcançou os adolescentes, porque toda a parcela da população que podia ser imunizada estava pelo menos com a primeira dose, portanto, todos estavam com a imunidade melhor”.
Apesar disso, ela ainda sente certas inseguranças, mesmo saindo um pouco de casa, evita frequentar ambientes muito movimentados e em que as outras pessoas presentes não se importam com o uso de máscaras.
“Foi um período bem difícil e ainda está sendo, porque não temos total certeza do que vai acontecer quando formos infectados, apesar da vacina.”
Visão do especialista
A psicóloga Thallyssa Raquel Soares explica que o medo é natural do ser humano, desde os ancestrais ele era um meio de sobrevivência. Comparado a isso, o indivíduo com coronofobia convive com o medo de ser infectado, e, como meio de sobrevivência, ele se isola e se protege de maneira exagerada contra o vírus. “Convencer uma pessoa com fobia racionalmente não vai dar certo. Por isso, o primeiro passo é validar e respeitar o limite que a pessoa está impondo”, orienta.
Ao ser questionada sobre como um indivíduo com essa fobia deveria enfrentar o processo de ressocialização, a psicóloga frisa que, primeiramente, a pessoa precisa entender como esse medo está interferindo nos hábitos sociais. “O medo se torna um problema quando começa a comprometer outras áreas das nossas vidas, quando começa a afastar-nos do que é importante para a gente”. Portanto, ao identificar os prejuízos dessa fobia, é preciso ir em busca de um acompanhamento psicológico, a fim de ser orientado da melhor forma para iniciar o processo de ressocialização.
“O medo se torna um problema quando começa a comprometer outras áreas das nossas vidas, quando começa a afastar-nos do que é importante para a gente.”
É evidente que, da mesma maneira como foi preciso acostumar-se com o isolamento social, é preciso haver uma adaptação adequada ao retorno das atividades presenciais e sociais. Ao apresentar sintomas não apenas de coronofobia, mas de outros transtornos psíquicos, recomenda-se a busca por apoio psicológico, que pode ser encontrado gratuitamente no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Existem mais de 2,3 mil unidades do Centro no Brasil, que fornecem apoio mental à população.
Tendo em vista a dificuldade que as pessoas podem apresentar quanto à ressocialização, vale dizer que essa não precisa ser feita instantaneamente, o processo pode começar aos poucos, para que o indivíduo com coronafobia não seja atingido com exposição precoce.
Texto elaborado pelos estudantes de Jornalismo do IDP Amanda Muniz Nogueira, Fabio Nakashima, Luna Barbosa Boianovsky e Melissa Rayalla Silva. Sob a supervisão das professoras Bárbara Lins e Isa Stacciarini.
Fonte: Metrópole